De repente sente-se fresco - sabemos que estamos na sala fria do Biotério, no IPMA. O Biotério foi o "hotel" que acolheu os 22 cavalos-marinhos-de-focinho-comprido que investigadores do MARE-ISPA estiveram a estudar. Queriam saber qual o efeito do aquecimento do oceano no comportamento e fisiologia desta espécie - Hippocampus guttulatus. Ficaram três meses, dois dos quais expostos a três níveis de temperatura diferentes entre os 18 graus e os 24 graus (temperatura média do mar prevista para o final deste século).
O estudo foi realizado em condições laboratoriais controladas, expondo estes organismos a temperaturas mais elevadas que simulam o efeito provocado pelas alterações climáticas. Os resultados indicam que esta espécie terá elevados custos energéticos e uma diminuição da sua condição corporal. "Olhámos para as taxas de ingestão, sistema reprodutor, e mesmo num cenário de temperatura intermédia já existem gastos - [os cavalos-marinhos] são mais ativos, ingerem mais, mas não têm uma melhor condição física. Provocou-lhes stress térmico, tendo-se observado a perda de peso”, explica a investigadora do MARE Ana Margarida Faria, coordenadora do estudo, a uma curiosa que aparece na praia com o seu filho para ver os cavalos-marinhos no dia em que foram devolvidos ao mar. “Apesar dos cavalos-marinhos terem resiliência térmica e capacidade de adaptação a curto prazo, o gasto de energia que a exposição a temperaturas mais elevadas pode acarretar, a médio-longo prazo, consequências ao nível do crescimento e sobrevivência da espécie”, conclui a investigadora.
Estes cavalos-marinhos são provenientes do estuário do Sado, um dos maiores estuários e hotspots de biodiversidade da Europa, onde foi detetada uma comunidade populacional de cavalos-marinhos de duas espécies: o cavalo-marinho-de-focinho-comprido Hippocampus guttulatus e o cavalo-marinho comum H. hippocampus. No entanto, pouco se sabe sobre a sua distribuição, abundância, densidade, diversidade, ameaças ou a sua relação com o habitat. Em Portugal, as populações da Ria Formosa são as mais estudadas, e na última década sofreram uma redução na ordem dos 90%. Estas espécies, assim como o seu habitat preferencial (pradarias de ervas-marinhas), estão ameaçadas e protegidas por leis nacionais e internacionais, pelo que é de suma importância aumentar o conhecimento científico sobre espécies prioritárias para a conservação. O investigador do MARE Gonçalo Silva reforça que “é absolutamente urgente e fundamental recolher dados científicos sobre os cavalos-marinhos no estuário do Sado, para que se possam tomar decisões e aplicar medidas de mitigação e de conservação, com base científica. Para além da necessidade de conservação destas espécies que estão em perigo, o seu carisma perante a sociedade faz delas espécies-bandeira, usadas em ações de sensibilização e de conservação da biodiversidade marinha, gerando um efeito positivo como um todo”.
“Estamos a entrar no estofo da maré, ou seja, atingiu o seu mínimo e agora vai começar a subir. Esta é uma boa altura para devolver os cavalos-marinhos porque há menos correntes e eles poderão encontrar onde se fixar mais facilmente, sem serem levados pela corrente". refere Gonçalo Silva, explicando que é a melhor altura para devolver os cavalos-marinhos. A chegada à praia, em Sol-Tróia, foi tranquila, com a temperatura esperada de 18 graus dentro de cada bidão. O objetivo inicial era ambientá-los à temperatura da água do mar que estava a cerca de 22 graus perto da areia. A embarcação do ICNF (que deu apoio) chegou entretanto, e uma vez todos a bordo, partiu, de forma a afastar-se um pouco da costa. Quando os fatos e as garrafas estavam prontos, foi finalmente a hora da despedida. A reintrodução foi tão bem feita que há quem diga que os cavalos-marinhos sorriram. A verdade é que caminharam sobre as mãos da investigadora do MARE Friederike Peiffer, e seguiram o seu caminho. 22 cavalos-marinhos devolvidos sãos e salvos!