Já se sabia que muitos peixes emitem sons para comunicar entre si – agora, um novo estudo revela que os xarrocos, comuns do estuário do Tejo, comunicam e interagem entre si emitindo sons com maior complexidade do que se pensava.
Muitos peixes produzem sons para comunicar, principalmente durante a época de reprodução. É o caso do xarroco (Halobatrachus didactylus), peixe comum no estuário do Tejo e um modelo para o estudo da comunicação acústica em peixes. Nesta espécie os machos “cantam” para atrair as fêmeas para os seus ninhos, que preparam em espaços entre ou debaixo de rochas. As fêmeas põem os ovos no ninho, mas são os machos os responsáveis por protegê-lo e pelo cuidado parental.
No estudo agora publicado, os investigadores descobriram que os machos de xarroco não se limitam a emitir vocalizações, ou seja, a ‘cantar’ para atrair as fêmeas: monitorizam o ‘canto’ dos seus vizinhos e, face a isso, ajustam o seu próprio ‘canto’.
“Na maior parte dos casos que analisámos os indivíduos evitam sobrepor as vocalizações, alternando normalmente com vocalizações de outros indivíduos. Mas também observámos momentos em que os machos sobrepõem propositadamente as suas vocalizações com as de outro macho. Pensamos que este sincronismo deve ocorrer em situações de competição entre machos, mas só vamos poder confirmar esta hipótese em estudos controlados”, explica Manuel Vieira, primeiro autor do estudo, investigador do MARE e do cE3c, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa).
Para este estudo, os investigadores recorreram a um sistema de reconhecimento automático de voz cujos algoritmos foram inicialmente desenvolvidos para o reconhecimento da fala humana, e analisaram registos acústicos obtidos junto a vários ninhos ocupados por machos de xarroco durante a época de reprodução, nas margens da Base Aérea do Montijo no estuário do rio Tejo.
No estudo, os investigadores analisaram também os ritmos acústicos diários em três locais na Base Aérea do Montijo, cada um caracterizado por uma diferente influência da maré e da presença humana. Os resultados revelam que uma grande parte das variações observadas não pode ser explicada por esses fatores – nesses casos, as variações observadas podem corresponder a interações entre machos vizinhos e entre machos e fêmeas.
“Este trabalho representa o culminar de várias observações do nosso grupo de investigação ao longo dos anos e mostra que a comunicação nos peixes é muito mais complexa do que se pensava. Estes resultados abrem a porta para estudos que incorporem os padrões temporais das ‘conversas’ entre peixes", explica Manuel Vieira.
São também autores do estudo Maria Clara Amorim, investigadora da Ciências ULisboa e MARE-ISPA e Paulo Fonseca, investigador do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c, ambos orientadores de Manuel Vieira.
Referência do artigo:
Vieira M., Amorim M.C.P. & Fonseca P.J., Vocal rhythms in nesting Lusitanian toadfish, Halobatrachus didactylus, Ecological Informatics (2021). https://doi.org/10.1016/j.ecoinf.2021.101281