Encontro MARE 2023
Dia 29
É bom sentir uma sala cheia. E nas primeiras palavras que o Diretor do MARE Pedro Raposo de Almeida dirigiu aos investigadores presentes no Encontro MARE 2023, agradeceu a presença de todos. O evento juntou mais de 200 dos 600 investigadores que integram as 7 Unidades Regionais de Investigação (URI) do MARE para pensar o futuro do centro. No Centro de Artes e Espetáculos da Figueira da Foz, Pedro Raposo de Almeida começou por apresentar o MARE pela sua excecionalidade de trabalhar em todos os ecossistemas – desde os rios ao mar profundo. E desta que classifica como “unidade de Investigação única a nível nacional” referiu alguns números: O MARE publica mais do que um artigo internacional por dia, e em média tem cerca de 300 projetos em curso por ano. Produz “cientistas de qualidade” algo que refere ser um “orgulho”, estando certo de que os investigadores do MARE que vão para outras unidades de investigação constituir outras equipas “levam o espírito do MARE”.
O responsável pela oferta formativa do novo CAMPUS da Universidade de Coimbra da Figueira da Foz, Miguel Pardal, em representação do Reitor da Universidade de Coimbra, congratulou os projetos ganhos por investigadores do MARE, lembrando que o “segredo é não desistir”. Explicou que as novas instalações no Campus da Universidade de Coimbra situadas na Figueira da Foz estão viradas especialmente para as ciências do mar. E contam com o apoio dos centros de investigação como o MARE.
Pedro Santana Lopes, Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz, tomou a palavra congratulando também a iniciativa e honra da escolha da Figueira da Foz para o Encontro. “Nenhuma instituição deve viver sem o trabalho da procura de investigação, de novos horizontes, novo saber” referiu. “Estamos numa fase difícil e fascinante ao mesmo tempo”, mas esperamos muito desta decisão sábia da Universidade de Coimbra de alargar o seu raio de trabalho, conclui.
Finda a sessão de abertura, os investigadores distribuíram-se por diferentes atividades. Parte dos investigadores ficou no Conselho Científico, onde se debateu o futuro no quadro da próxima avaliação das Unidades de Investigação nacionais por parte da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Outros visitaram a Exposição "O Mar é a nossa Terra", acompanhados por Eurico Gonçalves e Miguel Figueira. Uma exposição que cartografa e apresenta as contradições existentes entre a terra e o mar. Houve ainda quem fizesse uma visita ao Laboratório MAREFOZ, uma infraestrutura de investigação e transferência de conhecimento da URI da Universidade de Coimbra. E também quem se deslocasse ao Centro Social da Leirosa da Cáritas de Coimbra para uma atividade "MARE de Histórias com crianças, jovens e idosos". Muitas foram as reações dos idosos e muitas as perguntas na sala dos mais novos. Dos investigadores para as crianças: “os gelados têm algas?”, “de onde vem os pinguins?” ou “onde há sal?” Mas as crianças devolviam com mais perguntas: “Porque as lulas deitam tinta?”, “vocês falam com peixes?”. Mas à pergunta “Porque estudamos os animais?” as respostas foram unânimes – “Porque gostam” e “porque temos de respeitar os animais”. Só uma criança da sala queria, no futuro, trabalhar com animais, mas todas estavam interessadas em conhecer os animais e como vivem.
O dia terminou com um jantar-convívio que permitiu o estreitar de relações entre os participantes.
Dia 30
Pelo corredor ouvem-se palavras como “risco”, “invasoras” ou “plásticos”.
Numa sala estava a investigadora Catarina Silva com o tema “Machine learning para classificação de espécies com base em imagens”. Na Sala MAR do novo Campus UC, todos com os seus computadores, seguiam os passos da investigadora para desenvolver os conceitos de machine learning, visão computacional, deep learning e redes reuronais convolucionais, e aprender como construir um modelo de classificação de imagens a partir dos seus conjuntos de dados (formação, validação e teste do modelo).
“Risco Ambiental? Que riscos?” Mas o que é o risco para vocês? Começaram por perguntar as investigadoras Paula Sobral, Lia Vasconcelos e Carla Silva. Numa folha cada um escreveu o que significava risco para si. Para a partir daí estabelecer novas linhas de ação e estratégias que contribuam para aumentar as sinergias entre as diferentes Unidades Regionais de Investigação, bem como cimentar as interações já em curso.
Na sala ao lado, encontramos os investigadores Filipe Ribeiro e Paula Chaínho que se debruçavam sobre o tema “Invasões Biológicas”. Aqui, na Sala PRAIA, explicavam-se os processos de invasão biológica em ambientes aquáticos marinhos, estuarinos e de água doce num contexto de mudança global. O famoso siluro e outras espécies apareceram em cena para relembrar a importância de estudar as invasoras.
Na sala SOL, com os investigadores Lia Vasconcelos, Filipa Ferreira, Francisco Libreiro, Albertina Raposo e Isabel dos Santos, montava-se o “Mural do Clima”. Este workshop colaborativo focava as causas, consequências e efeitos colaterais das alterações climáticas. Porque para tratar estes temas é preciso partilha, escuta, fundir visões e gerar alternativas para lidar com o problema –só assim a literacia chega a todos.
Na sessão “Publicação de Dados Abertos” com Joana Boavida-Portugal falou-se da tão necessária partilha de dados, um tema que ainda gera alguma desconfiança nos investigadores. Mas quais são as plataformas de publicação de dados abertos que existem e como funcionam? Quais as vantagens e como partilhar de forma a não perder a autoria dos dados e ainda assim aumentar o potencial de colaborações? A investigadora explicou tudo e resumido!
Mais tarde, o grande desafio lançado pelos investigadores Catarina Frazão Santos, José Xavier e Filipe Alves era o da “Publicação em revistas TOP”. Através de dicas de editores e investigadores incentivava-se os colegas a publicar mais e melhor. Afinal “pode ser simples publicar nas grandes revistas como a Science ou Nature” segundo José Xavier.
Ao lado, refletia-se sobre o “Lixo Marinho: que futuro na investigação do MARE”. Paula Sobral e Filipa Bessa explicavam como é que o seu trabalho tem contribuído para combater esta problemática, nomeadamente através do aumento da literacia.
Mas o mais saboroso foi o Workshop “Algas à Mesa”, com Leonel Pereira, João Cotas, Joana Tavares, Sofia Costa, na Cozinha do Campus UC da Figueira da Foz. Afinal como se pode cozinhar uma refeição altamente nutritiva, rica em sabores, aromas, e texturas, com algas? O resultado ficou à vista com o maravilhoso "arroz com algas" confecionado no local.
Houve também quem optasse por visualizar o documentário "Sardinha Portuguesa – Uma Riqueza Natural", de Bruno Pinto, MARE e Joaquim Pedro Ferreira, CESAM/CICECO. A sardinha está na nossa história e cultura, é uma riqueza nacional. Mas há que gerir os stocks!
E para isso poderão contribuir as “Tecnologias para Exploração e Monitorização”. Neste workshop promovido por Bernardo Quintela discutiu-se o presente e o futuro promovendo a partilha de trabalho de investigação no desenvolvimento de ferramentas tecnológicas e de monitorização que reforçam a investigação no meio aquático. Constituíram-se grupos que depois partilharam as suas conclusões e ideias.
A manhã chegava ao fim, mas a sessão “Concorrer a Financiamentos Internacionais: Dicas e Experiência de Investigadores” ainda se encontrava cheia. Eram muitos os curiosos para ouvir as experiências de Romana Santos, Maria João Feio, José Ferreira e Catarina Jóia Santos. Fica o essencial, que segundo Maria João Feio é “ter uma boa ideia e um fio condutor”.
Mas todo este trabalho de investigação só terá um impacto visível na sociedade se soubermos efetivamente “Comunicar Ciência com os media”. Numa sessão dinamizada pelo investigador Bruno Pinto e pela jornalista Vera Novais, ensinavam-se dicas para os investigadores comunicarem com jornalistas e assim divulgar mais facilmente, e de forma mais eficaz, o seu trabalho. A sessão finalizou com uma atividade de role-play onde exploraram as melhores práticas para uma convivência cordial entre jornalistas, investigadores e gabinetes de comunicação.
MARE Mini-Grants – o painel das oportunidades
A tarde do dia 30 estava reservada para a mesa redonda MARE mini-grants. Na palavra dos investigadores do painel, estes mini-financiamentos “são uma grande oportunidade para os jovens doutores do MARE ganharem experiência na gestão de projetos científicos”, fazendo algo que é do seu interesse, em temáticas variadas. Têm em conta o mérito científico da proposta, o benefício para a coesão da comunidade MARE, a razoabilidade da planificação temporal e laboral e o benefício para a divulgação externa do MARE. No que se distinguem? Têm uma candidatura simples de submeter, e, apesar de não terem orçamentos megalómanos, diz-nos Carlos Alexandre que possibilitam “projetos muito bons com parcerias dentro do MARE”.
Os conselhos para concorrer a este financiamento? Façam algo de que gostem e que inclua todas as URIs. “Já fui avaliadora das mini-Grants, já fiz parte de uma equipa, e neste último painel tive direito a uma. TumiRep – optimização da reprodução em cativeiro da espécie de bivalve endémica Unio tumidiformis - é a minigrant que ganhei nesta última candidatura. Quisemos equipar as nossas condições laboratoriais, para conseguir com sucesso reproduzir bivalves em perigo. Vi o anúncio de que as MARE mini-grants iam abrir, delineei na minha cabeça, estruturei a candidatura e tivemos financiamento” explica Mafalda Gama. E confessa “permitiu-me focar”. Já Zara Teixeira sugere que “não sejam demasiado ambiciosos nos objetivos. Na prática são sensivelmente 7 meses para a execução e é importante que definam muito bem as metas e os indicadores”. Joana Boavida-Portugal de alguma forma corrobora esta sugestão. “Percebi que o meu objetivo era ambicioso – conseguir que os investigadores partilhassem os dados que obtinham”. Assim a sua primeira MARE mini-grant não foi tão bem-sucedida, embora tenham conseguido partilhar alguns dados na plataforma Coastnet, nomeadamente de cetáceos das ilhas da Madeira e dos Açores. Este ano voltou a concorrer com um objetivo “mais pequenino”. Depois de conversar e compreender quais as dificuldades dos investigadores, pretende criar formatos standard para a compilação dos dados dos investigadores o que deverá facilitar a partilha e novas colaborações. E, entretanto, já teve a sorte de “fazer uma tournée pelas várias Unidades Regionais de Investigação do MARE para sensibilizar os investigadores para esta questão e esclarecer sobre o potencial – e obrigatoriedade em alguns casos – da gestão de dados científicos.
No caso da investigadora Maria Luísa Chaves foi o oposto. Para o seu projeto MARE mini-grant, “Ser Vivo Mas Não Ser Visto”, definiu de forma muito objetiva que pretendia escrever e publicar um livro para crianças que, segundo Paula Chaínho, “chama a atenção dos mais jovens para o que significa uma barreira física nos rios para as espécies que lá se encontram. ”Nesta mesa redonda, a investigadora Paula Chaínho estava em representação de Luísa, uma antiga investigadora que por motivos pessoais abandonou a investigação de campo, mas que encontrou nas mini-grants um novo rumo que lhe “permite manter a ligação à ciência e ao MARE”. De lá para cá outros livros se seguiram, sempre baseados nas experiências que teve enquanto investigadora. Paula Chaínho confessa que está ali para “honrar o trabalho da Luísa”, embora já tenha participado em várias mini-grants a convite de diversos investigadores, sempre com experiências positivas.
É também o que referem os restantes investigadores na mesa. Todos revelam que o relacionamento com as equipas multi-institucionais “correram muito bem” e foram extremamente valiosos. Tiago Simões lamenta até que um dos investigadores do seu projeto em ecotoxicologia, e que pertencia a outra URI, já não esteja no MARE. Prova do sucesso das mini-grants e das parceiras entre URIs é também o resultado do 1º Encontro Nacional de Mergulho Científico do MARE 2023 organizado pela investigadora Susanne Schäfer na Madeira. Numa semana de discussões e dois dias de mergulho “aprenderam muito sobre arqueologia subaquática e metodologia” e já se pensa numa 2ª edição, eventualmente num outro local do país. De igual forma, a investigadora Zara Teixeira revela que a sua MARE mini-grant, SERMAREpro, dedicada à formação em literacia do Oceano para professores do ensino obrigatório, foi um sucesso e que daí em diante já realizaram muitas mais ações de formação, sempre com elevada requisição.
A mesa termina com uma reflexão do moderador Carlos Alexandre. “O MARE neste momento é uma marca reconhecida em todos os domínios aquáticos e é algo que é um orgulho. Desafio-vos a motivarem os que não puderam estar” [presentes neste Encontro].
O Encontro MARE 2023 na ótica dos investigadores
Guilherme Barreto da Universidade de Coimbra gostou do encontro. Esperava poder conhecer pessoas novas e interagir, e conseguiu. “A sessão que mais gostei foi mesmo a das Invasões Biológicas porque apesar de termos passado a maior parte do tempo em apresentações, a explicar o que fazemos, deu para conhecer pessoas e ramos de investigação interessantes que nunca tinha ouvido falar”, reconhece.
Para Adriana Domingos da Universidade de Coimbra foi importante perceber as várias linhas de investigação do MARE e os vários projetos apresentados para ponderar eventuais sinergias.
Andreia Guedes esteve no MAREFOZ e na sessão dedicada ao Machine Learning para classificação de espécies com base em imagens e gostou muito. “Não precisei de conhecimentos de Python porque já tínhamos o código feito, ou seja, só estivemos a perceber o que temos de mudar no código e o que o código nos está a dizer.” E confessa que vai tentar desenvolver um modelo para os plásticos com machine learning. Termina a conversa comentando que “estive na sessão das algas e vou inserir mais algas na minha dieta”.
Para Beatriz Matos “é importante saber que somos muitos e reconhecer caras. Levo ideias e é bom saber que há pessoas com equipamentos que até podemos usar”, explica.
O objetivo “de garantir que os investigadores se conheçam e se encontrem” foi conseguido, reflete Zara Teixeira, responsável do Gabinete de Comunicação e Disseminação. “O facto de termos passado para dois dias potencia ainda mais”. E referiu a importância de diversificar os temas de formação para oferecer aos investigadores. Revelou que se está a ponderar a Madeira como o próximo destino do Encontro MARE 2024, algo que também revela a “dinâmica excecional” do MARE nas palavras do Diretor Pedro Raposo de Almeida. “…mesmo em tempos difíceis temos conseguido financiamentos interessantes e vejo a entrega das pessoas que estão empenhadas genuinamente”. Na sua opinião, o MARE até já ultrapassa os objetivos esperados apesar dos desafios. Neste momento, o principal “é dar estabilidade contratual aos nossos investigadores mais jovens, que é a parte mais complicada”, confessa ainda o Diretor do MARE. Explicando que isso “pode ser um motivo de ansiedade e que não é possível que pessoas ansiosas produzam ciência.”
Uma das metas a realçar para o próximo ano? “Continuar a fazer circular a informação, tanto interna como externamente.” Segundo o Diretor, é “o MARE é grande em número de pessoas e distribuição geográfica o que pode dificultar a gestão.” É por isso importante apostar na comunicação e numa efetiva organização interna e modelo de governação do MARE. Para isso também terá contribuído o Encontro MARE 2023. No final, o Diretor assenta que “ter uma sala cheia, ter o presidente da Câmara Pedro Santana Lopes, revela que o MARE é uma unidade de investigação com prestígio e as pessoas reconhecem isso. A participação foi boa. A sensação de dever cumprido que na prática é o dever de todos”.
O que se espera para o ano? Novamente sala cheia.