One Planet - Polar Summit: As alterações climáticas e o degelo na visão do jovem investigador José Queirós

O degelo está no centro das preocupações dos especialistas que participaram na "One Planet - Polar Summit". Assim está nas preocupações do investigador do MARE José Queirós, que foi um dos convidados para o evento por fazer parte do comité executivo, este mandato, como presidente da APECS (Associação de Jovens Cientistas Polares) Internacional.

 

“No papel de presidente da APECS e como estudante de doutoramento (portanto um jovem cientista) participei na sessão de abertura numa mesa-redonda em que falei da importância dos jovens cientistas para a ciência polar e a perspetiva dos mesmos em relação às alterações climáticas. Ainda neste painel toquei brevemente na ciência que faço, tendo sido aprofundado depois com a participação e apresentação no grupo “Sea Ice, Ocean, Life and Atmosphere” onde se discutiram as prioridades e necessidades para estes quatro temas, de modo a ser produzido um relatório para entregar aos diplomatas e governos (novamente aqui tocando no papel dos jovens cientistas e como podem contribuir para o estudo do mar profundo)”, conta-nos o investigador.

 

O que estuda?

Neste momento estou a estudar as cadeias alimentares de mar profundo do Oceano Austral (oceano que circunda a Antártida), onde primeiramente estou a descrever as comunidades que existem na região das ilhas Sandwich do Sul e a estrutura das cadeias alimentares associadas à pesca do Bacalhau da Antártida no arquipélago. O objetivo final é perceber como esta estrutura é influenciada pelas condições ambientais e como as alterações climáticas poderão afetá-las e/ou alterá-las no futuro. Sendo que a pesca do Bacalhau da Antártida é gerida tendo como base a “gestão do ecossistema“ (Ecosystem Based Management) estudar as cadeias alimentares relacionadas com a pesca vai contribuir para perceber como funciona o ecossistema e como a remoção das espécies pode potencialmente afetar toda a cadeia.

 

Como correu o One Planet - Polar Summit?

O evento correu muito bem e, da perspetiva de um jovem cientista envolvido pela primeira vez num evento deste género, foi muito interessante ver a relação entre a comunidade científica e a comunidade política. Foi muito interessante também ver o envolvimento da sociedade civil através de painéis de discussão constituídos por comunidades indígenas (do Ártico e zonas alpinas), exploradores, ONGs e fundações privadas que têm como maior objetivo a preservação destes ecossistemas e são parte fundamental no financiamento de ciência polar em alguns países. Relativamente à ciência em si, foi importante ver coordenadores de diferentes programas polares nacionais a discutir ideias para o futuro e como podemos fomentar ainda mais a colaboração já existente no que toca à ciência polar. Discussões sobre a maneira e a importância como os cientistas devem comunicar o impacto das alterações climáticas de modo a não criar o pânico entre a população geral mas dando uma perspetiva realista do que está a acontecer nas regiões polares e as consequências que irão ter no resto do mundo; algumas intervenções sobre a possibilidade de se intervir diretamente no ecossistema (geoengenharia) e como isto não é consensual entre a comunidade cientifica; mas também ter a oportunidade de ouvir dezenas de experts na ciência polar a identificar os “gap of knowledge”, o que é preciso ser feito, que estratégias devemos ter, o que precisamos e que metas devemos ter. Foram dois dias muito intensos de apresentações e discussões para podermos entregar o melhor relatório cientifico aos políticos de modo a dar o suporte à “Paris Call for Glaciers and Poles” (Chamada de Paris para os Glaciares e Polos).

 

Qual é o próximo passo em relação ao seu trabalho e a eventuais metas que se estabeleceram no One Planet Summit?

A “Paris Call for Glaciers and Poles” teve como grande objetivo reunir os chefes de estado de países com regiões polares (e ou atividades/presença continua (ex. bases científicas)) e alpinas de modo a reforçar a necessidade de atingir as metas estabelecidas no Acordo de Paris (2015). No entanto, esta chamada realça que para as regiões alpinas e polares um aumento acima dos 1.5ºC pode levar a alterações irreversíveis nestas regiões, e que este deveria ser o objetivo dos governos. A chamada também pede apoio aos governos para fomentar a colaboração e interdisciplinaridade nos projetos, reforça a necessidade e a importância da investigação científica nestas regiões do planeta. Há também uma chamada de atenção para a necessidade de promover a educação e envolver os cientistas na comunicação científica de modo a promover a literacia da sociedade em relação a estas questões.

 

Relativamente ao meu trabalho, o mar profundo das regiões polares foi identificado como uma área que ainda se conhece muito pouco, apesar de se reconhecer que irá ter uma grande influencia na maneira como o ecossistema irá responder às alterações climáticas. É também reconhecida a importância de perceber e estudar as cadeias alimentares pois estas serão fundamentais na conservação das espécies mais vulneráveis às alterações climáticas, mas também (e no caso do Oceano Austral) como alterações na estrutura da cadeia alimentar podem alterar o ciclo do carbono (este oceano é responsável pela absorção de cerca de 40% do carbono antropogénico) e nutrientes (tal como o carbono, o Oceano austral é responsável por uma grande parte da provisão de nutrientes para os Oceanos Atlântico, Pacifico e Indico). Neste sentido, o meu trabalho será um contributo importante, pois estamos a mostrar como as cadeias alimentares são estruturadas e como é feita a ligação entre os animais pelágicos e demersais/bentónicos (crucial para o funcionamento deste ecossistema). Além disso, os nossos resultados mostram quais as variáveis ambientais que mais afetam e alteram a estrutura da cadeia alimentar, permitindo-nos prever o que irá acontecer no futuro nestas regiões e como isso poderá afetar, por exemplo, a conservação de animais icónicos que existem no Oceano Austral como os pinguins.

 

O MARE está alinhado com estas metas?

Olhando para os principais objetivos do MARE e no trabalho que algumas equipas tem desenvolvido, percebemos que alguns estão alinhados com a Paris Call on Glaciers and Poles. Por exemplo, a necessidade de compreendermos melhor o funcionamento dos ecossistemas marinhos na Antártida enquadra-se no objetivo “Contribuir para o conhecimento sobre o funcionamento dos ecossistemas marinhos e ambientes estuarino e dulçaquícola que com estes estão inter-relacionados” e no trabalho que a nossa equipa polar (liderada pelo Professor José Xavier dentro do ECOTOP MARE-UC) tem desenvolvido. O MARE tem também como objetivo “Dirigir cooperação internacional para a formação avançada, contribuindo para uma nova geração de cientistas e profissionais preparados para a Economia Azul”. Cooperação internacional é algo que é pedido e foi realçado na summit e para o qual diversas equipas do MARE contribuem ativamente (dando o exemplo da nossa equipa, colaboramos, principalmente, com colegas do Reino Unido, França, Alemanha, Espanha e Nova Zelândia (entre muitos outros) e temos tido oportunidade - e falando como jovem cientista da equipa -, de ir a muitos laboratórios nestes países e estabelecer uma rede de contactos, e assim fazer ciência nos melhores laboratórios e institutos que fazem ciência polar. Por último, o MARE tem como objetivo “Promover a literacia do Oceano e contribuir para uma Sociedade Azul participativa” que é também um dos pontos realçados nesta summit. Sei que o MARE tem diversos projetos relacionados com a literacia do oceano, mas novamente falando da nossa equipa, temos estado altamente envolvidos em atividades de educação e “outreach”, participando em eventos como as semanas polares da APECS e em feiras de ciência que existem em Portugal.