Que segredos guardam os bicos das lulas?

Os investigadores do MARE José Xavier, Filipe Ceia e José Queirós, são coautores do estudo "Insights on long-term ecosystem changes from stable isotopes in historical squid beaks", recentemente publicado na revista científica BMC Ecology and Evolution do grupo Springer Nature.

A avaliação da dinâmica histórica dos principais elementos da teia trófica é fundamental para se compreender o impacto das alterações climáticas na estrutura dos ecossistemas marinhos do Ártico. Neste contexto, uma equipa de investigadores, liderada por Alexey Golikov do GEOMAR Helmholtz Centre for Ocean Research Kiel, utilizou duas espécies de lulas abundantes no Ártico (Gonatus fabrici Todarodes sagittatus) para avaliar este impacto.

"Sabendo que a região Ártica está a ter impactos das alterações climáticas, este estudo evidencia como os animais marinhos do Ártico (nesta caso lulas) podem detectar mudanças climáticas a longo prazo, desde 1844 a 2023.", explica o investigador do MARE José Xavier. Para isso, os investigadores analisaram as alterações no desenvolvimento das lulas (alterações ontogenéticas), através das assinaturas de isótopos estáveis nas estruturas duras de quitina (bico) destes animais.

Nesta análise foram encontradas alterações ao nível da alimentação e da utilização de habitat por parte das lulas. Estes resultados são consistentes com o fenómeno de Atlântificação, ou seja, a chegada ao Ártico de águas mais quentes e salgadas vindas do Atlântico. "Ao longo do século, as alterações na ecologia trófica das lulas coincidiram com a Atlântificação (ou borealização) dos ecossistemas árticos. Isso significa um influxo de espécies boreais do Atlântico Norte no domínio Ártico devido às alterações climáticas. Essa transformação resultou em uma maior generalização das redes alimentares, levando a mudanças profundas neste ecossistema. Este estudo conseguiu detectar essas mudanças nas espécies de lula.", explica Filipe Ceia.

Estes resultados sugerem que os mesopredadores oportunistas abundantes com ciclos de vida curtos (como as lulas) são bons candidatos para estudos de ecologia retrospetiva nos ecossistemas marinhos e para identificar mudanças nos ecossistemas provocadas pelas alterações climáticas. Para além disso, é possível concluir que a maior generalização das teias alimentares do Ártico reflecte-se no aumento do generalismo da dieta e da largura do nicho das lulas, enquanto a maior abundância de peixes piscívoros boreais se reflecte no aumento da posição trófica das lulas.

 

Segundo José Xavier "Este estudo também demonstra que as lulas poderão ser dos grupos de animais marinhos que melhor se poderão adaptar às alterações climáticas no futuro."

 

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