Entrevista com Claudia Caro Vera
Neste momento a terminar um doutoramento em Biociências na Universidade de Coimbra, na área de Ecologia, Claudia Caro Vera admite que é algo de que gosta desde criança mesmo sem na altura saber identificar. Cresceu numa pequena cidade no Peru, a 3050 metros de altitude. Ali, a investigadora apreciava o campo – gostava de contemplar as fontes de águas e os rios, e às vezes até apanhava sapos. E foi em comunhão com toda aquela natureza que nasceu o seu desejo de manter tudo o que de bom havia na natureza. Mas o momento em que decidiu dedicar-se a estudar o ambiente foi quando, com cerca de 7ou 8 anos, se deparou com uma lagoa poluída e com peixes mortos à tona. Perguntou ao seu pai o que poderia fazer para que as pessoas não o fizessem, ao que o seu pai respondeu que deveria estudar muito.
A sociedade recebe diversos serviços de ecossistemas provenientes do mar: alimentos, turismo, energias renováveis, regulação do clima e água, ciclo de nutrientes, manutenção da diversidade genética, recursos medicinais ou experiências. O que estuda relaciona-se com estes serviços? Já há resultados?
Estudo os serviços dos ecossistemas marinhos costeiros com base na identificação de habitats como áreas provedoras de múltiplos serviços. O estudo de caso tem sido desenvolvido sob a orientação do professor João Carlos Marques e das doutoras Zara Teixeira e Rute Pinto na região costeira atlântica à volta do Rio Mondego e com 21 habitats identificados.
Se há resultados? Sim. Um dos mais importantes foi o desenvolvimento de uma metodologia para a identificação de zonas prioritárias para a investigação em serviços dos ecossistemas. No caso do estuário do Mondego, os resultados identificaram as salinas, o mar aberto, as praias, e os sapais como os mais importantes para a investigação.
Perceber a importância dos serviços do tipo cultural relativamente a outros (existem serviços de provisão, de regulação e culturais), o que está em linha com os esforços das autoridades locais para desenvolver mais atividades culturais e sociais na região, foi bastante interessante.
Análise de Risco de Habitats. Esta foi uma metodologia que usaram que os surpreendeu. Se por um lado é possível aumentar a capacidade de resiliência dos habitats com o aumento do número de serviços de ecossistema, por outro segundo é possível reduzir a resiliência nos casos em que há mais serviços de ecossistema do tipo Provisão (e.g. produção de alimentos). Esta metodologia mostrou-se robusta, relativamente a outras na literatura, e tem a vantagem de incluir uma componente espacial muito importante para apoiar tomadas de decisão, e de permitir analisar cenários futuros.
No caso particular do Mondego, que incluía o estuário e a zona costeira, a metodologia identificou habitats presentes nos braços norte e sul do estuário como tendo maior risco do que habitats na zona costeira, em particular as pradarias de ervas marinhas. Quando testámos o impacto de diferentes cenários de gestão, sobre as pradarias marinhas e sobre os sapais, no que respeita à subida do nível médio do mar e ao controlo dos níveis de nitrogénio no estuário, verificámos que ainda é possível reduzir o risco a que estes habitats estão sujeitos.
Porque é importante o mapeamento dos habitats marinhos costeiros? Acha que a estratégia nacional é a correta?
É muito importante. Para gerir uma área deve-se, em primeiro lugar, identificar onde fica, quais são as suas dimensões e o que a caracteriza. É uma área que partilha características com outras áreas, ou é uma área única pelas suas características? Assim os mapas, além de excelentes instrumentos de comunicação (pela sua capacidade de fornecer muita informação num só olhar) são instrumentos de gestão de grande impacto e de fácil compreensão para diversos setores da população.
A Estratégia Nacional para o Mar (ENM 2013-2020) considera os serviços dos ecossistemas no modelo de desenvolvimento, o que já é importante. Ainda falta produzir muito conhecimento neste tema para contar com múltiplos estudos locais que possam dar uma imagem mais geral da situação do país, o que acrescentará muito para a estratégia, de tal forma que se garanta a contínua entrega dos serviços dos ecossistemas mais importantes para Portugal, e sem deixar de considerar os contextos na hora de implementar as medidas de desenvolvimento. Como a ENM relata, a integração de setores, o fomento da investigação e o estímulo à participação são importantes e por isso, acho que uma aproximação aos serviços culturais dos ecossistemas é fundamental para promover uma maior participação das pessoas na gestão. Isto permitirá melhorar ainda mais os serviços de provisão que se tem através da pesca e a aquicultura, e que se constituem em eixos da Estratégia.
Oceanos saudáveis e produtivos são sinónimo de desenvolvimento sustentável, de emprego, de bem-estar. Concorda?
Concordo, se temos uma boa provisão de serviços é possível ter emprego e tudo aquilo do que a população necessita dos mares para sobreviver. Mas, para atingir esta provisão, é importante que os ecossistemas tenham as estruturas físicas, químicas e biológicas - em quantidade e qualidade - necessárias para assegurar o funcionamento dos ecossistemas e a consequente entrega de serviços que se pode traduzir, entre outras coisas, em produtividade.
O que mais a fascina neste mundo da ciência?
Descobrir coisas novas, encontrar perguntas e desafios que podem melhorar as condições de vida, e que podem ser resolvidas com base na colaboração e integração de diferentes atores.
Porquê o MARE para fazer ciência?
Porque quando estava no Perú à procura de um programa de doutoramento encontrei um paper da Rute Pinto e do professor João Carlos Marques que focava o tema dos serviços dos ecossistemas de uma forma única, considerando não só o seu valor monetário como a inclusão de análises das estruturas biofísicas, da qual dependem os serviços.
Múltiplas são as experiências que descreve no seu currículo. Desde consultoria no Grupo GEA – NGO, no Ministério do Ambiente, à Comissão para o Desenvolvimento Sustentável da Baía de Paracas. Pode contar-nos um pouco estas experiências? Qual a que mais gostou?
No Perú trabalhei na instituição que agora é o Ministério do Ambiente, nomeadamente na área de Educação e Informação ambiental. Era responsável dos treinos para professores nos processos de educação ambiental, no entanto, outra parte do meu trabalho era facilitar a participação cidadã no reconhecimento dos indicadores de gestão ambiental de diferentes locais no Perú. Também tive a oportunidades de trabalhar com pescadores e aquicultores numa comissão encarregada do Plano de Desenvolvimento Sustentável da Baía de Paracas. Aí, o meu trabalho foi basicamente facilitar a participação pública e ouvir as demandas das pessoas para ajudar a estabelecer um plano de capacitação comunitária que buscava valorizar os recursos da Baía, uma área marinha rica em recursos, mas que precisava de uma melhor gestão. Logo comecei a dar aulas de Ecologia na universidade. Em resumo posso dizer que gostei de todas as experiências, pois sinto-me bem quando faço ciência, mas também gosto de partilhar os resultados com os cidadãos, de os envolver nos processos de tomada de decisões, e facilitar este processo faz me sentir que a minha pesquisa tem um sentido maior.
Qual é o segredo do sucesso? E o que não pode faltar numa boa investigação?
Perseverança, mas sem ser teimoso. Há que saber ouvir os outros, mas acho que temos que ser perseverantes nas nossas metas, sabendo gerir as sugestões que os outros nos dão para melhorar as nossas ideias. Para ter uma boa investigação acho que é importante ter uma boa motivação. A pergunta da investigação é também fundamental: O que quero fazer? Porquê? Para quê?
O tempo que vivemos é o da investigação? Marinha?
Seguramente. Este, mais do que qualquer outro, é tempo de fazer investigação. Temos de enfrentar os enormes desafios. Tanto Portugal como o meu país, Peru, sendo países marinhos, precisam muito de investigação nesta área, até porque é o objetivo 14 para o desenvolvimento sustentável, proposto pelas Nações Unidas. Devo reconhecer que Portugal tem avançado bastante neste campo, e estou contente com a experiência de aprender no MARE e de poder contribuir para o conhecimento que aqui se gera.
Pode contar-nos a sua experiência no Peru - tanto a nível de investigação com pessoal?
No Perú eu gostava de fazer pesquisas nas montanhas a 3500 metros de altitude. Os Andes sempre foram ecossistemas que gosto muito, as montanhas atraem-me de uma forma especial. Fiz pesquisas de sucessão vegetal e de definição e participativa nos indicadores ambientais para a conservação de ecossistemas alto andinos. Dei aulas de ecologia na Universidade Nacional Agraria La Molina. Gosto muito de partilhar o que aprendo, e acho que dar aulas é uma das melhores formas de o fazer. Assim, quando comecei a trabalhar no doutoramento com ecossistemas marinhos achei interessante porque foi como fazer uma viagem desde as montanhas até aos mares. Como ouvi dizer em Portugal: “As praias nascem nas montanhas”.
Se tivesse de dar um conselho ambiental aos leitores, qual seria?
Aprendam a observar a natureza, a disfrutar dela e a valorizá-la, só assim é possível fazer da natureza a nossa própria experiência. Esse é o primeiro passo para a sua conservação.