A investigadora do MARE e da Universidade de Coimbra Verónica Ferreira é a coordenadora de um número especial da revista Hydrobiologia (Springer), onde são abordados os serviços fornecidos por várias comunidades biológicas e ecossistemas aquáticos.
Já imaginou a sua vida sem contemplar a natureza? E sem oxigénio ou sem água, é possível? Cremos que não. Todos estes benefícios, e outros, que as pessoas obtêm dos ecossistemas são considerados serviços ecossistémicos. Estes serviços podem ser de suporte (como produção de oxigénio, ciclos da água e dos nutrientes), regulação (como purificação da água, controlo da erosão), provisionamento (como água de boa qualidade, alimento) e culturais (como atividades recreativas, inspiração, valores educacionais), e são fundamentais para o bem-estar humano.
Esses serviços podem ser fornecidos por ecossistemas ou por comunidades biológicas, mas nem sempre são bem identificados e valorizados. Em muitos casos, os serviços ecossistémicos estão ameaçados devido aos múltiplos impactos sofridos pelas comunidades biológicas e pelos ecossistemas. E é aí que entram os investigadores do MARE e o número especial da revista Hydrobiologia (editora: Springer) “Aquatic Ecosystem Services” coordenado pela investigadora do MARE e da Universidade de Coimbra Verónica Ferreira.
Neste número especial, onde participam mais de 100 investigadores de 20 países, pretende-se identificar os serviços prestados pelas comunidades e ecossistemas aquáticos às populações humanas, realçar a dependência das populações humanas em relação aos ecossistemas naturais e identificar as ameaças que colocam em causa a prestação desses serviços e consequentemente o bem-estar humano.
Ao longo de 20 artigos de revisão, será possível perceber melhor o papel de ecossistemas aquáticos como os pequenos ribeiros, rios secos, lagoas costeiras e ecossistemas de ervas marinhas, bem como de organismos aquáticos como por exemplo o fitoplâncton marinho e de água doce, plantas, fungos e zooplâncton de água doce e vários tipos de peixes marinhos e de água doce como provedores de serviços ecossistémicos e porque é que é tão importante a sua preservação.
Interessados? Vamos saber mais sobre os serviços prestados pelos pequenos ribeiros
Os pequenos ribeiros constituem a maioria dos cursos de água numa bacia hidrográfica e possuem características específicas que os distinguem dos ribeiros maiores e dos rios. Apesar de seu pequeno tamanho e localização frequentemente remota, os pequenos ribeiros prestam serviços ecossistémicos importantes para os seres humanos.
Nesta revisão, foram identificados 27 serviços ecossistémicos que os pequenos ribeiros fornecem: sete serviços de suporte (circulação da água; circulação dos nutrientes; produção primária; formação de sedimento; provisão e manutenção de habitat; manutenção da biodiversidade; manutenção da produtividade aquática e terrestre), oito serviços de regulação (controlo de cheias; controlo da erosão; regulação da temperatura; regulação do microclima; drenagem e irrigação natural; purificação da água; sequestro de carbono; sequestro de azoto), cinco serviços de provisionamento (água de boa qualidade; alimento; energia; recursos ornamentais; recursos genéticos) e sete serviços culturais (valores estéticos; inspiração; valores espirituais; sentido de identidade e de espaço; ecoturismo; recreio; ciência e educação).
Os pequenos ribeiros são especialmente importantes para a manutenção da biodiversidade, que é a base de muitos serviços ecossistémicos. Os pequenos ribeiros também suportam os serviços ecossistémicos fornecidos pelos ribeiros maiores e pelos rios devido à conexão longitudinal que permite o transporte de energia, água, sedimentos, nutrientes, matéria orgânica e organismos para jusante. Contudo, estes sofrem ameaças (por exemplo, enterramento, obstrução, alterações na floresta e nos usos do solo, poluição) que colocam em risco a sua capacidade para prestar serviços e para contribuir para os serviços prestados a jusante. O reconhecimento do importante papel dos pequenos ribeiros nas bacias hidrográficas e na prestação de serviços de ecossistema deve mobilizar a sociedade para a sua proteção e restauro.
Investigadora MARE: Verónica Ferreira – coordenadora
©Imagem: Ribeiro na Serra da Lousã (imagem de Verónica Ferreira)
E quer saber mais sobre os serviços prestados pelos fungos de água doce?
Este artigo faz um levantamento dos serviços ecossistémicos que os hifomicetes aquáticos – um grupo de fungos aquáticos microscópicos importante na decomposição de detritos vegetais e na reciclagem dos nutrientes em ribeiros – prestam (ou têm potencial para prestar) às populações humanas: decomposição de detritos vegetais (serviço de regulação) e reciclagem de nutrientes (serviço de suporte), fornecimento de recursos genéticos relevantes (serviço de provisionamento), potencial fonte natural de metabolitos (serviço de provisionamento), contribuição para a autolimpeza das águas doces (serviço de regulação), contribuição para a monitorização da saúde e integridade dos ecossistemas de água doce (serviço de suporte) e promoção de valores educativos e inspiradores (serviços culturais).
É crucial aumentar a conscientização e o reconhecimento dos serviços ecossistémicos oferecidos pelos hifomicetes aquáticos para fortalecer a gestão e a proteção dos ecossistemas de água doce. Com esta revisão, pretende-se aumentar a conscientização sobre a necessidade de mapear, quantificar e reconhecer os serviços ecossistémicos fornecidos por esses fungos a nível global.
Investigadores/as MARE: Seena Sahadevan (MARE-UCoimbra) – coordenadora, Juliana Barros (MARE-UCoimbra), Manuel Graça (MARE-UCoimbra)
©Imagem: Esporos microscópicos de fungos aquáticos (imagem de Seena Sahadevan)
E os serviços prestados pelos peixes anádromos?
Este artigo faz uma resenha histórica da importância para o Homem de espécies como a lampreia-marinha, o sável, o salmão-do-atlântico, a truta, e o esturjão, desde a pré-história até aos dias de hoje. Estas espécies migradoras, altamente valorizadas pelo seu interesse gastronómico, a que se associa a componente cultural e socioeconómica (por exemplo, festivais gastronómicos), sofreram no último século um declínio populacional acentuado na Península Ibérica sobretudo devido à redução e destruição de habitat, a que se associa a sobrepesca, cada vez mais concentrada nos troços de rio (80% redução durante o último século) ainda disponíveis para estas espécies. Presentemente, estão a ser desenvolvidos esforços com vista a uma gestão sustentável destas espécies. Os trabalhos que têm sido desenvolvidos em Portugal para recuperar as populações de peixes anádromos têm-se focado na reabilitação de habitat, sobretudo através do restabelecimento da continuidade fluvial com a construção de passagens para peixes ou, sempre que possível, a remoção de obstáculos, juntamente com medidas de gestão dirigidas à pesca comercial e recreativa, praticada tanto na jurisdição marítima como dulçaquícola.
Apesar de alguns resultados relevantes que apontam para a adequabilidade das soluções integradas de restauro fluvial e gestão que têm sido empregues, as pressões continuam a incidir nestas populações de forma significativa. Num cenário de alterações climáticas, com a expectável redução da disponibilidade hídrica e aumento da temperatura, o futuro destas espécies na Península Ibérica está longe de estar assegurado.
Investigadores/as MARE: Pedro Raposo de Almeida (MARE-UÉvora), Catarina Mateus (MARE-UÉvora), Carlos Alexandre (MARE-UÉvora), Sílvia Pedro (MARE-UÉvora), Joana Boavida-Portugal (MARE-UÉvora), Ana Belo (MARE-UÉvora), Esmeralda Pereira (MARE-UÉvora), Sara Silva (MARE-UÉvora), Inês Oliveira (MARE-UÉvora), Bernardo Quintella (MARE-ULisboa) – coordenador
©Imagem: Truta capturada por um pescador lúdico (imagem de Manuel Pedroso)
Depois de ler este artigo aposto que já nem imagina a vida sem pequenos ribeiros, fungos de água doce ou peixes anádromos!
*Equipa editorial do número especial: Verónica Ferreira (Portugal) – coordenadora, Luis Mauricio Bini (Brasil), Katya Kovalenko (EUA), Andre Padial (Brasil), Judit Padisák (Hungria), Maria de los Ángeles González Sagrario (Argentina)