No dia 22 de março, celebra-se o Dia Mundial da Água, uma data que nos convida a refletir sobre a importância deste recurso vital e a agir para garantir a sua preservação.
Em 2025, o tema escolhido pela ONU foi a "Preservação dos Glaciares", um alerta urgente para proteger estas reservas de água doce que estão a desaparecer a um ritmo alarmante. Os glaciares não são apenas paisagens geladas e distantes; são a fonte de vida para milhões de pessoas, ecossistemas e até para o equilíbrio climático do planeta. No MARE e no seu laboratório associado ARNET, são vários os investigadores que se dedicam a monitorizar e a preservar a qualidade dos ecossistemas aquáticos.
Antártida e o futuro da água doce
Afonso Ferreira e Sofia Nunes, investigadores do MARE, dedicam-se ao estudo dos ecossistemas marinhos da Antártida, uma região que guarda cerca de 70% das reservas de água doce do planeta. Para eles, os glaciares são muito mais do que gelo: são a chave para o equilíbrio do clima e do ciclo da água, mas “o degelo dos glaciares não só está a diminuir essa percentagem, como também contribui para o aumento do nível médio do mar e para a disrupção do ciclo global da água”, afirmam.
Estes investigadores estudam uma das componentes biológicas mais importantes para a qualidade da água, o fitoplâncton, pequenos organismos microscópicos que são a base do ecossistema marinho antártico. Segundo Afonso e Sofia “o fitoplâncton é essencial para a qualidade da água, pois remove dióxido de carbono e produz oxigénio, garantindo um balanço vital para a vida no oceano”.
Estão envolvidos em projetos que estudam os impactos das alterações climáticas na Antártida, como o PHYTO-SHIFT, que pretende investigar as alterações nas comunidades de fitoplâncton e as suas consequências para o ecossistema antártico, e o IMPACTANT, que estuda os impactos ao longo de toda a teia trófica antártica, desde o fitoplâncton até às aves e baleias.
Para Afonso e Sofia “a principal forma de protegermos o equilíbrio do ecossistema e a qualidade da água na Antártida é mitigando e reduzindo as nossas emissões de carbono e os impactos do dia a dia” e realçam que quaisquer alterações que ocorram no equilíbrio do ecossistema da Antártida acabarão por afetar todo o planeta, incluindo Portugal.
A invisível ameaça dos contaminantes
Bernardo Duarte, investigador do BIOTOX Lab do MARE, alerta para uma ameaça invisível que afeta os ecossistemas aquáticos, desde os estuários e zonas costeiras nas imediações de grandes polos urbanos e industriais, até locais remotos como a Antártida: a contaminação por poluentes.
De acordo com o investigador "há uma grande variedade de contaminantes que são encontrados em praticamente todos os ecossistemas que temos vindo a analisar”, destacando os metais pesados, biocidas, compostos organoclorados, compostos farmacêuticos, e os PFAS também conhecidos como contaminantes eternos resistentes à degradação. Bernardo destaca que “estes poluentes, embora muitas vezes presentes em baixas concentrações, podem ter impactos na vida aquática muito para além dos previstos”.
A equipa de Bernardo Duarte não só mede diretamente a presença destes contaminantes na água, mas também nos sedimentos e nos organismos que habitam os ecossistemas que estuda: “em termos de impactos ecológicos torna-se importante avaliar os ecossistemas no seu todo, incluindo a alteração da dinâmica das espécies e populações, o comportamento dos indivíduos e a sua fisiologia”, diz.
O Biotox Lab está envolvido em vários projetos como o ONE-BLUE, que avalia a qualidade da água dos mares europeus, e o uRESTART, que pretende mitigar os efeitos da poluição através do restauro dos ecossistemas de sapal para melhorar a qualidade da água. "Os sapais são reconhecidos como os rins da natureza, retendo nos seus sedimentos vários contaminantes removendo-os dos estuários", diz.
Bernardo acredita que a “monitorização e regulamentação aliadas à informação e sensibilização do público, são as melhores ferramentas de que dispomos para atingirmos uma melhor qualidade das águas”.
Monitorizar para proteger
João Paulo Medeiros, investigador do MARE, dedica-se ao estudo das massas de água de transição, como os estuários, e costeiras, e considera que a qualidade da água dos sistemas que tem analisado é boa. De acordo com o investigador “a qualidade de uma massa de água resulta da avaliação global de um conjunto de elementos físico-químicos, hidromorfológicos e biológicos”.
No seu trabalho, utiliza várias técnicas de amostragem, como as dragas para recolher sedimentos onde vivem determinados organismos suscetíveis à poluição, ou o arrasto para capturar peixes com importância do ponto de vista conservacionista e económico. Também utiliza uma sonda multiparamétrica para avaliar as variáveis ambientais e assim perceber imediatamente a qualidade da massa de água em que está a trabalhar.
João Paulo está envolvido no programa de monitorização do efluente eliminado pelo Data Center, em Sines, de forma a perceber os potenciais impactos do mesmo nas comunidades aquáticas e na qualidade da água. Também colabora no programa de monitorização do 3.º ciclo de avaliação das massas de água nacionais no âmbito da Diretiva-Quadro da Água, monitorização que ocorre de 6 em 6 anos e que pretende preservar o bom estado ecológicos dessas massas.
Na sua opinião, a existência de programas de monitorização contínuos e uma maior fiscalização das atividades económicas/industriais seriam as medidas mais eficazes para garantir uma melhor qualidade da água.
Restaurar e proteger os ecossistemas ribeirinhos
Giorgio Pace, investigador do CBMA, estuda a qualidade da água em ecossistemas fluviais e ribeirinhos, com especial foco na região Norte de Portugal. Para ele, a situação é preocupante: “Apenas 37% das massas de água superficiais da Europa atingiram um estado ecológico ‘bom’ ou ‘elevado’, segundo os critérios da Diretiva-Quadro da Água da União Europeia, e apenas 29% alcançaram um estado químico considerado ‘bom’ nos últimos anos. Em Portugal, seguimos essa tendência, mas ainda há locais que merecem atenção urgente, sobretudo em áreas remotas como Trás-os-Montes.”
O seu trabalho combina métodos tradicionais de monitorização, alinhados com as diretrizes da União Europeia, e abordagens inovadoras, como o uso de imagens hiperespectrais de satélite: “Estas imagens são diferentes das normais. Cada elemento da paisagem — como a água, a vegetação ou o solo — tem uma espécie de "impressão digital" que os satélites conseguem detetar com grande precisão. Desta forma, o investigador consegue identificar rapidamente diferentes tipos de problemas ambientais.
Atualmente, integra o projeto RIPARIANET, financiado pela Parceria Europeia Biodiversa+, onde investiga o impacto de poluentes emergentes, como pesticidas e microplásticos, nos sistemas de transferência entre terra e rio. O objetivo é identificar áreas de elevada biodiversidade que necessitam de proteção reforçada, em linha com a Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030.
Para melhorar a qualidade da água, defende que é essencial restaurar e proteger os ecossistemas ribeirinhos. “Precisamos de aumentar a cobertura das margens dos rios com árvores (…), reduzir o uso de pesticidas e reforçar o controlo sobre os poluentes emergentes, que começam agora a revelar-se um grande desafio ambiental”.
Inovar na gestão da água
, do CIMA, dedica-se à ecohidrologia urbana, especialmente na região do Algarve. Segundo a investigadora “os ecossistemas aquáticos urbanos, que são sobretudo lagos, sofrem contaminação de poluentes e por isso desenvolvem processos de eutrofização com diversos riscos associados para a saúde pública.” A eutrofização, que consiste no enriquecimento excessivo da água com nutrientes como azoto e fósforo, foi identificada pelo Serviço Marítimo COPERNICUS como a principal causa da degradação da qualidade da água nas últimas cinco décadas.
Para mitigar estes impactos, a investigadora tem combinado a otimização das condições hidráulicas das cidades com o uso de macrófitas fitorremediadoras, isto é, plantas aquáticas capazes de remover poluentes da água.
Manuela Moreira da Silva tem colaborado com a Câmara Municipal de Loulé no Jardim das Comunidades, em Almancil. Pretendem “melhorar a performance ambiental deste jardim, nomeadamente: promover o bom estado ecológico do seu lago; otimizar o consumo de água para rega e evitar o uso de água tratada para consumo humano substituindo-a por água da chuva previamente armazenada; caracterizar a vegetação existente e intervir no sentido de se aumentar o seu potencial de sequestro de carbono”. É um exemplo de uma ação local de adaptação às alterações climáticas, que visa melhorar a resiliência à escassez de água, mitigar os efeitos das precipitações extremas e reduzir o impacto das ondas de calor.
Defende que a gestão eficiente da água é de extrema importância e que são necessárias “fontes alternativas de água, poupança em casa e nas empresas, sobretudo nas turísticas, e formação sobre novas soluções para os envolvidos nas autarquias”.
Um futuro com água para todos
O Dia Mundial da Água 2025, alerta para a “Preservação dos Glaciares”.
Os glaciares são essenciais para a vida, uma vez que o degelo da sua água é, não só, fonte de água potável, mas também liberta água que é utilizada na agricultura, na indústria e na produção de energia limpa, contribuindo para ecossistemas saudáveis.
No MARE e no nosso laboratório associado ARNET, continuamos comprometidos com a investigação e a inovação, mas a responsabilidade é de todos. Reduzir o consumo de água, apoiar políticas ambientais e adotar práticas sustentáveis no dia-a-dia são passos essenciais para proteger este recurso vital.
Fotografias de (por ordem de aparecimento) Afonso Ferreira e Sofia Nunes, Bernardo Duarte, João Paulo Medeiros, Giorgio Pace (e Niaz Ahmed-Unsplash).