“As últimas semanas de aneiro de 2019 foram passadas a monitorizar o ambiente marinho envolvente ao norte da Península Antárctica. A bordo do Navio Polar Almirante Maximiano, trabalha-se por turnos de 12 horas de forma a rentabilizar ao máximo o tempo de navegação e de amostragem desta região tão diversificada quanto remota. A coluna de água tem sido amostrada praticamente todos os dias desde o início dos trabalhos, para investigar a distribuição da biomassa e composição das comunidades fitoplanctónicas, incluindo os biogeoquimicamente importantes cocolitóforos (fitoplâncton calcário).
Imagem 1. A vista do nosso laboratório sobre o convés, onde é operado o sistema de CTD-Rosette, com a paisagem Antárctica em pano de fundo.
Para além dos perfis verticais de temperatura, salinidade, oxigénio e fluorescência da coluna de água marinha obtidos através do CTD (Conductivity, Temperature, Density), estão também a ser realizadas colheitas de água para o estudo dos macronutrientes, assim como medições “underway” (i.e., em contínuo) do pH e dos fluxos de CO2 entre a atmosfera e a superfície do oceano. Em regiões-chave, recorre-se ao sistema MultiNet e à rede manta para colher amostras de zooplâncton marinho e de microplásticos.
Imagem 2. Amostragem de zooplâncton através do sistema “MultiNet” pelo Claus Inck e pela Vanessa Agostini (à esquerda e em cima), ambos oceanógrafos da FURG. Amostra de krill, pela mão da Camila Signori (Oceanógrafa, USP).
Para além das equipas da física, química e fito- e zooplâncton, o GOAL também conta com um grupo de oceanógrafos especializados no estudo de baleias. A par das suas longas vigílias, ao frio, para observar/quantificar as diferentes espécies que habitam esta região tão produtiva quanto vulnerável, os nossos “baleeiros” (como carinhosamente lhes chamamos) também se aventuram no mar aberto. Quando as condições de ondulação e visibilidade são favoráveis, a destemida equipa sai de bote para observar estes magníficos mamíferos marinhos mais de perto, gravar os seus sons, e colher biópsias da pele e gordura para posteriormente fazer estudos de genética, taxonomia, isótopos estáveis e concentração de contaminantes (ver Seyboth et al., 2018).
Imagem 3. A nossa equipa de “whale-watchers” em ação para mais uma saída de bote. No canto superior direito (da esquerda para a direita), os oceanógrafos Renan Lima (FURG), Jonatas Prado (Instituto Baleia Franca), Manuela Bassoi (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e Elisa Seyboth (Universidade de Cape Town).
Imagem 3. Aspetos da metodologia usada pelos nossos “baleeiros”: o Joni e a Elisa a segurar as balestras (i.e., besta ou “cross-bow”) com que fazem a amostragem de pele e de gordura de baleia (em cima, à esquerda); a Elisa a segurar uma amostra de gordura de baleia (em baixo, à direita).
Porquê este interesse na Península Antártica? Esta região é influenciada por uma das mais rápidas taxas de aquecimento climático à escala global, sendo considerada um “hot spot” natural para monitorizar alterações do ecossistema marinho relacionadas com o aquecimento dos oceanos. Um bom exemplo disso é o Estreito de Bransfield, uma importante região de formação e exportação de massas de água densas e profundas para as áreas circundantes e para o oceano global (Ferreira e Kerr, 2017). Estudos recentes nesta área sugerem que estão a ocorrer fortes alterações nas condições de gelo marinho e um aumento do colapso de camadas de gelo (Cook et al., 2016), por influência da entrada de massas de água intermédias mais quentes e salinas formadas a partir da Corrente Circumpolar Antárctica (Barlett et al., 2018). A redução de cerca de 90% dos glaciares na parte ocidental da península (Cook et al., 2016) parece estar a afetar todos os níveis da cadeia alimentar marinha, desde as comunidades de bactérias Archaea, passando pelos produtores primários (fitoplâncton), krill (zooplâncton), até aos predadores pelágicos marinhos (Ducklow et al., 2007).
Uma das mais recentes descobertas do GOAL diz respeito, precisamente, ao aumento da abundância de criptófitas (fitoplâncton nanoflagelado) em detrimento das diatomáceas (e.g. Mendes et al., 2018). As diatomáceas são o alimento preferencial do krill, que é, por sua vez, a principal fonte de alimento das baleias. Logo, a sua redução em benefício das criptófitas tem o potencial de alterar toda a teia trófica marinha pelágica na Península Antártica. Um dos objetivos desta expedição é, precisamente, investigar a relação entre a biomassa de criptófitas e o aumento da estratificação da coluna de água causado pelo degelo, para avaliar a persistência destas tendências observadas em expedições anteriores. E é também essa a parte mais interessante de colaborar com o GOAL: este grupo de investigação lida com o impacto das alterações climáticas no ecossistema marinho pelágico como um todo, desde os produtores primários até aos mamíferos marinhos. Esta abordagem interdisciplinar é crucial para desenvolver uma perspetiva holística dos processos biogeoquímicos, ecológicos e oceanográficos que aqui vigoram, quer espacialmente, quer ao longo do tempo.”
Catarina Guerreiro e Afonso Ferreiro