Na sequência da call que abriu o ano passado dedicada à Literacia do Oceano, o MARE conseguiu quatro projetos financiados pelo EEA Grants. O projeto blueTIDE é um deles e nesta entrevista a coordenadora do projeto Zara Teixeira explica o mesmo.
Em que consiste o projeto? Qual é a ideia-chave e o público-alvo do projeto?
Os litorais marinhos e, em particular, as zonas entremarés rochosas, possuem uma elevada diversidade física e biológica. O acesso por terra a estes locais permite uma fácil observação de muitas espécies diferentes, mas também os torna muito vulneráveis a atividades humanas, como a pesca e o pisoteio. O projeto bLueTIDE surgiu então como um meio de motivar a conservação destas zonas entremarés.
E porque o nosso público-alvo são alunos e professores do 1.º ciclo do ensino básico, a melhor forma de o fazer é desenvolvendo atividades com uma componente lúdica bastante forte -tanto em ambientes de educação formal, como em ambientes de educação não-formal - e oferecendo ações de formação que esperamos tenham um efeito multiplicador, permitindo propagar a mensagem do projeto.
Estima-se que esta operação beneficie cerca de 615 alunos e 200 professores de quatro conjuntos geográficos: Figueira da Foz / Sardoal; Peniche / Vila Nova da Barquinha; Setúbal / Santarém; e Sines / Évora.
Como surgiu a ideia para este projeto?
Quando surgiu este financiamento das EEGrants totalmente dedicado à Literacia do Oceano, apercebemo-nos que esta era a oportunidade perfeita para juntar, num mesmo projeto, os diversos polos do MARE que contribuem ativamente para o programa educativo O MARE vai à Escola. Esta vontade já existia há bastante tempo, mas o momento ainda não tinha chegado.
Daqui até à ideia-base do projeto, foi um processo bastante natural. Todos os quatro polos MARE envolvidos são bastante ativos na promoção da Literacia do Oceano. Por isso, só nos faltava encontrar um elo de ligação forte. E numa discussão de ideias apercebemo-nos que o estudo e a conservação das zonas entremarés é uma preocupação comum e é frequentemente objeto de atividades com público não-académico.
A partir daqui o resto da ideia foi-se construindo. Partimos da experiência dos investigadores envolvidos e mantivemos como foco o objetivo de aproveitar os conhecimentos e o trabalho passado para construir algo novo que perdurasse no tempo. Na prática, a ideia foi-se construindo aliando o conhecimento científico acerca da vida nas zonas entremarés e a experiência com visitas a plataformas rochosas, à experiência em atividades com crianças, experiência em colaborar com projetos do programa Escola Azul, e a experiência na formação de docentes. Como resultado pretendemos criar atividades e recursos educativos cientificamente sólidos, capazes de promover uma mudança de atitude no que diz respeito à conservação dos ambientes entremarés.
De que forma vai este projeto ao encontro da Literacia do Oceano?
Um projeto em Literacia do Oceano não deve querer apenas aumentar o conhecimento dos seus participantes. Deve sim, desejar que haja uma mudança efetiva de comportamentos e deve, para isso, utilizar, todas as ferramentas possíveis para que os participantes se sintam motivados a agir para preservar.
O bLueTIDE, em particular, tem como ambição fazer com que as crianças e os docentes participantes valorizem a vida das zonas entremarés, e aproveitem o conhecimento que vão adquirir sobre estas zonas para serem agentes ativos na conservação destes sistemas naturais. Como é que vamos promover isso? Como estamos orientados para um público-alvo bastante jovem iremos motivar para a ação criando vários momentos lúdicos que façam com que as crianças passem a associar estes ambientes entremarés a uma noção de bem-estar. Além disso, iremos motivar a participação ativa das crianças no desenvolvimento de algumas das atividades, o que irá estimular a criatividade e a capacidade de comunicação, competências necessárias para serem agentes de mudança.
E de que forma contribui para a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável da UNESCO (UNESCO Ocean Decade)?
O bLueTIDE tem na sua génese três tipos de ações: aquelas que incentivam a colaboração entre a Ciência e a Educação e que serão realizadas em parceria com escolas; ações de capacitação de docentes; e ações de sensibilização. Esta diversidade de ações tem como missão mobilizar, em maior ou menor grau, três públicos-alvo distintos: jovens em idade escolar, docentes e também o grande público que irá contatar connosco em atividades de comunicação do projeto. Tendo em conta que a Década da Ciência para o Oceano da UNESCO tem na sua visão o envolvimento de toda a sociedade na implementação dos seus objetivos de forma a atingirmos o desenvolvimento sustentável das zonas marinhas e costeiras, poderemos dizer que as nossas ações de Literacia do Oceano são um meio para atingir este fim.
Qual é a característica mais diferenciadora deste projeto?
O projeto tem 3 características diferenciadoras:
Qual é o maior desafio deste projeto?
O bLueTIDE irá replicar atividades em quatro pontos do país. Isso obriga-nos a encontrar uma linguagem e um discurso que seja comum a todos e que harmonize as várias atividades. A maioria dos investigadores envolvidos são biólogos. Têm uma base científica comum. Mas mesmo assim, a forma de transmitir o conhecimento é diferente de polo para polo. E temos descoberto que estas diferenças vão além da adequação do discurso. Especificamente, descobrimos que há uma questão relacionada com as plataformas rochosas que mereceu uma discussão científica mais aprofundada dentro do grupo de trabalho. Esta discussão, ainda ativa, é um desafio, mas é também bastante enriquecedora. E acabou por tornar um projeto que inicialmente tinha apenas uma orientação educativa, num projeto com um potencial para a discussão científica.
Quais os resultados mais relevantes que pretendem atingir com o projeto?
As ações do bLueTIDE contribuirão para fortalecer a ligação das crianças com o oceano e motivá-las para o melhor conhecer e conservar as zonas rochosas entremarés; promover a interação entre escolas e investigadores de ciências do mar; estimular a cooperação entre Escolas Azuis e Escolas “não- Azuis”; fomentar a criatividade, iniciativa e capacidade de comunicação dos alunos; fortalecer práticas de ensino baseadas em ciências do mar; e, em última instância, incentivar a candidatura de novas escolas ao programa Escola Azul, do Ministério do Mar (Direção-Geral de Política do Mar).
Próximos passos?
O projeto está, atualmente, na fase de discussão e desenvolvimento das atividades. Em setembro de 2021, no início do próximo ano letivo, já iremos iniciar a conversão com as escolas, mas efetivamente só em janeiro de 2022 é que começaremos a implementar as atividades desenvolvidas. O ano de 2022 será, por isso, muito ativo, com diversas atividades dentro e fora das escolas, bastantes ações de formação para docentes e também várias atividades de disseminação do projeto.
Entretanto, vamos começando a “adoçar o bico” de quem quiser saber mais sobre a vida nas plataformas rochosas, lançando várias curiosidades e jogos no Facebook e Instagram do projeto.
Qual é o conselho que deixam ao público em geral?
Procurem uma praia com rochas nas zonas entremarés, esperem pela baixa-mar e aventurem-se à descoberta das espécies que aí vivem. E se forem um bocadinho mais curiosos, procurem um dos inúmeros guias que há na internet, ou peçam para nós enviarmos um em formato digital. Tenham, no entanto, em atenção algumas regras de segurança tal como calçado adequado, e não retirem qualquer espécie do seu ambiente. Por muito bonitas que sejam, elas não sobreviverão.
Qual é a mensagem principal do projeto, do ponto de vista do desenvolvimento sustentável?
A nossa mensagem principal é a de que apesar de a biodiversidade nas zonas entremarés não ter espécies altamente carismáticas, é bastante dinâmica, bem mais interessante do que à partida possa parecer, e tem o seu papel no equilíbrio ambiental das zonas costeiras. É, por isso, importante saber o que afeta estes ambientes e como os proteger. Do ponto de vista do desenvolvimento sustentável, isto significa que a captura indiscriminada de espécies - seja para alimentação, cosmética, ou outros motivos – deverá ser evitada a todo o custo, sob pena de as espécies que aqui vivem poderem desaparecer. Neste seguimento, poderá ser mais sustentável, em alguns casos, a produção controlada de algumas espécies que impedirá o declínio das populações selvagens, como por exemplo de algas e ouriços-do-mar.