Investigadora Cátia Figueiredo vence Prémio de Doutoramento em Ecologia

Cátia Figueiredo, investigadora do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) da Universidade do Porto e aluna de doutoramento no Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE), ULisboa, foi premiada com o terceiro lugar da edição de 2023 do Prémio de Doutoramento em Ecologia Fundação Amadeu Dias, atribuído pela Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPECO) e pela Fundação Amadeu Dias. A aluna investigou a bioacumulação, eliminação e interação de elementos de terras raras (REE) em diversos grupos taxonómicos marinhos, como esponjas, peixes, bivalves e algas.

"Receber este prémio foi uma experiência incrivelmente gratificante. Foi uma honra ser reconhecida pela minha investigação sobre os efeitos dos elementos terras raras em organismos aquáticos num mundo em mudança. Embora eu tenha trabalhado arduamente para desenvolver esta tese, o reconhecimento pelo meu trabalho através deste prémio foi uma surpresa. Saber que o júri valorizou a importância das minhas descobertas e a contribuição que elas podem trazer para a compreensão dos desafios ambientais atuais é extremamente motivador. Estou muito grata por esta oportunidade de compartilhar os meus resultados e a minha tese e espero que esta possa contribuir para uma maior conscientização sobre a interação complexa entre os elementos terras raras, a biodiversidade aquática e as alterações climáticas", conta a investigadora.

E decidiu começar a estudar este tema porque tendo uma "paixão pela ecologia e pelo desejo de compreender melhor como os elementos terras raras podem afetar os ecossistemas aquáticos", durante a sua investigação apercebeu-se da lacuna enorme de conhecimento em relação aos efeitos destes elementos pouco conhecidos nos organismos aquáticos, especialmente considerando o contexto das alterações climáticas que estamos a viver. "Embora chamados de elementos raros, estes estão amplamente dispersos na crosta terrestre. Apesar de seu anonimato, as terras raras tornaram-se cruciais para as mudanças tecnológicas em direcção a fontes de energia renováveis, mais eficientes e economicamente viáveis. As suas características difundiram a sua utilização numa ampla gama de áreas, desde a medicina até a electrónica moderna, carros eléctricos e indústrias de energia “verde”. Este uso generalizado e crescente contribui para o aumento exponencial de resíduos que contêm elevadas concentrações de terras raras. A produção crescente, a vida útil mais curta dos aparelhos electrónicos e as políticas de reciclagem ineficazes resultam na libertação de grandes quantidades de terras raras, de outra forma presentes em concentrações baixas, no ambiente aquático. Todos estes fatores entusiasmaram-me a dedicar-me a este tema durante o meu doutoramento" esclarece Cátia Figueiredo. 

 

Comecemos por entender o que é a bioacumulação?

"A bioacumulação é um processo que ocorre quando certas substâncias, como os elementos terras raras, se acumulam nos tecidos dos organismos ao longo do tempo. Os elementos terras raras estão naturalmente presentes no ambiente, em concentrações baixas, e daí o nome elementos raros. No entanto, podem ser libertados na água por diversas atividades humanas, como a mineração; o descarte indevido de lixo eletrónico - como telemóveis, ecrãs e até baterias de carros elétricos e a medicina – já que o gadolínio é utilizado como contraste nas ressonâncias magnéticas, por exemplo, entre outras. Isto faz com que esteja a ser observado um aumento da disponibilidade ambiental destes elementos, sem que se conheça que consequências apresentam para o meio aquático. Do ponto de vista ambiental, os ecossistemas lidam também com as alterações climáticas, que são outra problemática criada pelo homem que tem o potencial de alterar os padrões de bioacumulação de elementos químicos e contaminantes, como as terras raras. Assim, estudei como os elementos terras raras são acumulados pelos mais variados organismos aquáticos, como esponjas, peixes, bivalves e algas. Estudei também que efeitos ecotoxicológicos causam e como irão reagir num futuro próximo de alterações climáticas", explica.

Os resultados do trabalho evidenciaram um potencial ecotoxicológico de REE nas diferentes espécies estudadas sugerindo que a sua acumulação e respostas ecotoxicológicas são complexas de compreender. A acumulação destes elementos e os seus efeitos tóxicos podem, como explica, também ser exacerbados pelas mudanças climáticas, agravando as consequências nocivas para as espécies. Os resultados obtidos poderão ser importantes na tomada de decisões políticas sobre estas problemáticas emergentes.

 

Ainda há uma solução para as espécies?

"A minha tese de doutoramento mostrou que as espécies aquáticas enfrentam desafios significativos devido à bioacumulação de terras raras e que as consequências do aumento da disponibilidade destes elementos são particularmente agravadas num contexto de oceano em mudança. Embora não haja uma solução única que se aplique a todas as espécies, existem algumas estratégias que podem ser exploradas para mitigar estes efeitos negativos. Realizar uma monitorização contínua da disponibilidade ambiental das terras raras é importante porque ajuda a identificar quando os níveis estão a aproximar-se de valores com o potencial de causar efeitos prejudiciais e permite a implementação de medidas preventivas. Reduzir a exposição aos elementos terras raras é, também, uma abordagem importante. Neste momento não existe regulamentação relativa a níveis máximos de uso e descarte de terras raras. A implementação de regulamentação rigorosa para a libertação desses elementos no ambiente de modo a minimizar a contaminação de ecossistemas aquáticos é urgente. Educar o público sobre o que são as terras raras, como são extraídas, a grande gama de utilização destes elementos, assim como as consequências da tua utilização e libertação no ambiente é também de extrema importante. Promover ações mais responsáveis em relação ao uso desses elementos e à reciclagem de produtos eletrónicos em fim de vida, painéis solares, ecrãs de TVs, baterias de carros elétricos, etc. é essencial.  Sendo elementos relativamente desconhecidos a generalidade das pessoas não têm noção que estão em contacto todos os dias com equipamentos construídos com grandes quantidades de terras raras, e a educação é basilar. Por fim, Os desafios enfrentados pelas espécies aquáticas são globais. A colaboração entre países e a implementação de acordos internacionais podem ajudar a abordar esta problemática emergente de maneira mais eficaz. De um modo geral, as soluções envolvem uma combinação de regulamentações, investigação, conservação e conscientização para minimizar os impactos dos elementos terras raras nas espécies aquáticas".

 

O próximo passo?

"O próximo passo envolve continuar a construir conhecimento base relacionado com o trabalho que desenvolvi durante o meu doutoramento. Antes do início do mesmo, nunca tinha sido estudado, por exemplo, o efeito das alterações climáticas na presença destes contaminantes tão importantes, mas tão desconhecidos, no ambiente. As terras raras são constituídas por 17 elementos da tabela periódica e por isso entender o seu comportamento ecotoxicológico é excecionalmente complexo e, portanto, é importante focar a investigação neste grupo de elementos. A investigação nesta temática pode aprofundar a nossa compreensão de mecanismos ecotoxicológicos subjacentes, bem como dos impactos a longo prazo nas populações aquáticas. Dada a complexidade dos desafios, colaborações interdisciplinares podem fornecer insights valiosos. A colaboração entre ecologistas, químicos, climatologistas e outros especialistas pode levar a uma compreensão mais completa dos impactos dos elementos terras raras nas espécies aquáticas. Com base no conhecimento de linha de base que consta na minha tese de doutoramento pode ser possível desenvolver diretrizes e políticas que regulem a libertação de elementos terras raras no ambiente e protejam as espécies aquáticas. Isso pode exigir colaboração entre cientistas, formuladores de políticas e partes interessadas relevantes, como a indústria. Nos próximos tempos pretendo continuar dedicada a todos estes passos que descrevi, já que o meu doutoramento levantou uma série de questões às quais estou investida em tentar responder. Nesse sentido, a minha equipa e eu desenvolvemos um projeto chamado EMINENT – Efeitos emergentes das alterações climáticas nos contaminantes, do qual sou co-investigadora principal. Este projeto teve início em 2023, e através dele espero continuar a estudar os efeitos ecotoxicológicos dos elementos terras raras, num cenário de eventos climatéricos extremos".

O Prémio de Doutoramento em Ecologia premeia as melhores teses de doutoramento, em qualquer área da Ecologia, defendidas em universidades portuguesas, independentemente da nacionalidade dos candidatos. Com este prémio, a SPECO valoriza a investigação em Ecologia, enaltece a excelência dos grupos de investigação portugueses e a sua capacidade de atrair estudantes internacionais.